A minha avó era uma espécie de National Geographic da Época
A minha avó materna, que vivia numa quinta perto de Lisboa, onde eu passava
raramente algum fim de semana, ou que por vezes ficava uns dias na nossa casa,
era uma espécie de National Geographic da época. Contava estórias de
quando esteve em África.
Lembrava-se
que os pais ainda tinham tido escravos, (numa época em que já não seria normal
tê-los). Apesar de a escravatura ter sido abolida em todo o Império Português,
em 1869, a minha avó referia-se a criados que teriam tido como escravos. Por
estranhar hoje, que tal fosse possível, fui investigar
e encontrei o seguinte: “Após a abolição, o Império Português primeiramente
estabeleceu um sistema jurídico da escravatura em todas as suas colónias em
1899, mas o Governo Português não implementou o sistema em Angola até 1911, o
governo aboliu escravatura em 1913”. Está, portanto, explicado.
Das
estórias da minha avó, recordo uma que me marcou substancialmente, e que hoje
depreendo pelo que me lembro das mulheres da minha família, que me tenha sido
contada como sinónimo de obediência. Contava então a avó que punham um menino
negro de 8 anos a lavar os degraus da casa onde viviam e que se não ficassem
bem lavados o garoto levava com o pano sujo na cara até a criada governanta se
cansar e depois tinha que repetir todo o trabalho até ficar impecável, sob pena
de se repetir o “ensinamento”.
Contudo, havia outras estórias muito interessantes. Por exemplo, a das hienas que por vezes se reuniam à volta da casa noite dentro a “chorar”. A avó dizia que
era para enganarem os humanos, que acabavam por ter pena e abriam as portas
para alimentarem os bichos. Parece que no início da ocupação pelos
colonizadores, casos houve em que isso aconteceu. A avó acreditava ser este
“choro” uma estratégia dos animais para apanharem os incautos e não a linguagem
natural das hienas, que eventualmente se aproximariam das casas com fome.
Também
havia estórias de cobras que entravam nas casas e quando as mães
adormeciam a amamentar os seus bebés, colocavam a cauda na boca do bebé e
sugavam o leite das mães. Desde cobras gigantescas que engoliam cabras e
ovelhas inteiras a macacos que faziam tropelias para enganarem os donos, a
minha infância foi povoada por contos e lendas que estimularam a minha
imaginação.