segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A DERROCADA DO DISCURSO INOVADOR

 


A DERROCADA DO DISCURSO INOVADOR

A mulher do discurso pirâmide foi construindo o seu edifício pacientemente desconcentrando os ouvintes, transformando-os em bocejos e suspiros. Alguns de tanto tentar penetrar a força das palavras até adquiriram torcicolos.

Colocou primeiro as mais pesadas, suficientemente impenetráveis e coesas na base. Depois foi construindo metodicamente, umas a agarrar as outras, sempre sobrepostas. Suficientemente sólida, a parede das palavras, foi construindo mais três, que se amparavam à primeira, sempre com estudada inclinação e peso para que o interior OCO ficasse protegido de intromissões.

Terminada a construção, já os topos mais vulneráveis, por terem sido construídos no final com outro tipo de palavras mais leves e banais, quando da assistência hipnotizada com a força da erudição palavreática, alguém teve de dizer alguma coisa para o discurso não parecer tão oco como o interior da pirâmide.

A voz da criatura soou encantadora por cima da assistência, qual flauta de Krishna. A assistência adormecida, sem atentar ao conteúdo, mas seguindo apenas - o som. De súbito, alguém deu pelo espírito santo da orelha e ouviu claramente:

- A linguagem poética vai acabar. Agora só podem utilizar-se metáforas eruditas, abstratas e suficientemente dissimuladoras de intenções!

De repente uma mulher que tinha espírito santo de orelha e língua de serpente soltou uma voz meio desconexa:

- Ora, isso não tem nada de inovador. Já se fazia no tempo da outra senhora, utilizarem-se metáforas eruditas, abstratas, e suficientemente dissimuladoras de intenções... 

Os olhos da mulher que fazia o discurso pirâmide, faiscaram. As palavras caíram todas.

E toda a pirâmide se desmoronava, perante a assistência pesarosa. Afinal um edifício tão coerente e sólido…

No centro da pirâmide estava um homem. Enrolado sobre si mesmo na posição fetal os pés e as mãos juntos acorrentados por uma grilheta de palavras. Os olhos perdidos sem LUZ, refletiam o cérebro dissolvido pelos esforços exercidos a desmontar as palavras radioativas.

Em torno de si revolteavam borboletas de cores, azul metálico, verde alface, amarelo jasmim e rosa fúcsia.

Eram os sentimentos. Na ânsia de beber as enganosas palavras radioativas, o homem sacudira-os violentamente.

Na sua pequenez, o homem, tornava-se enorme pela força das palavras. Semicerrando os olhos ver-se-ia uma crista reptilária que lhe subia ao topo da cabeça, e ainda as palavras verdes radioativas lhe prendiam os pulsos e os tornozelos já as borboletas tinham descoberto um escorrega de LUZ e entravam pela boca, pelo esófago envoltas numa luz matutina ainda húmida. Dando volta em bailado sincronizado qual clave de sol iam a rodopiar à volta do coração preenchendo-se de uma luz branca e dourada que se distendia a todo o corpo.

Por fim todo o corpo do homem era luz. Passou de opaco a transparente, deixando ver todos os órgãos que pulsavam regulares, após o que se transformou numa massa incandescente.

As radioativas soltaram-se guinchando e fugiram a sete pés (cem) parecendo centopeias.

Atarantada, a insignificante mulher com língua de serpente inclinava o pescoço para um só lado, incapaz de dizer sim ou não e balbuciava palavras incoerentes sem perceber todo o processo, nem qual era a sua missão ali…  

E VEM UMA FOLHA

 E VEM UMA FOLHA


E vem uma folha,

Rodopiando, dourada e castanha

 

Ao mesmo tempo, faz-me pensar outono, decadência, 

o que precede a velhice, 

as artrites, as artroses e as atrozes dores nas costas, 

nas cervicais, nos pés, nos tornozelos e noutras coisas mais. 


O medo da solidão...


Ah o medo da solidão!


Das noites frias, sozinhas, e caladas. 

Das noites caladas em que as palavras não ressoam nas paredes nuas, 

Das minhas mãos que já não têm as tuas, 

Das bocas engelhadas, desdentadas.


Das mulheres esventradas que entram paredes dentro como facas afiadas. Dos sonhos perdidos, dos pesadelos, dos gritos e dos grelos. 

Crescendo nos vasos de terra estéril com desvelos 

                                                                         de velhas a arrancar cabelos! 

O medo da falta do teu corpo sobre o meu,

A arrancar gemidos e gritos e pedidos. 

As asas de um corvo sobre a chaminé. 

E os fantasmas que não arredam pé. 

E os gritos! Todos os gritos mudos que não dei. 

E todas as palavras que calei. 

Por não ter quem ouvisse, tudo!


 

Príncipes e Sapos

Às vezes a chuva bate forte.
Fica a doer no corpo como um laço de corda.
A corda fica bamba.
E bamba , a corda bamba e eu balanço nela e cheira-me à canela.
Como um doce de arroz onde se prende a trela.
Há sempre uma panela na cozinha, que cozinha .
Ao canto da cozinha um sapo que é uma rela.
Ferve panela!
Há sempre um príncipe que nunca entrou nela.
Ferve sapo, vira príncipe.
Arde fogo na panela. Cozinha a rela.

Tira-me a sela! Solta-me a trela!