A DERROCADA DO DISCURSO INOVADOR
A mulher do discurso pirâmide construiu o seu edifício pacientemente. Desconcentrando os ouvintes, transformou-os em bocejos e suspiros. Alguns de tanto tentar penetrar a força das palavras adquiriram torcicolos.
Colocou primeiro as palavras mais pesadas, suficientemente impenetráveis e coesas na base. Depois foi-as dispondo metodicamente, umas a agarrar as outras, sempre sobrepostas. Suficientemente sólida, a parede das palavras, construiu mais três, que se amparavam à primeira, com estudada inclinação e peso para que o interior OCO ficasse protegido de intromissões.
Terminada a construção, já os topos mais vulneráveis, por terem sido erigidos no final com outro tipo de palavras mais leves e banais, da assistência hipnotizada com a força da erudição palavreática, alguém teve de dizer alguma coisa para o discurso não parecer tão oco como o interior da pirâmide.
A voz da criatura soou encantadora por cima da assistência, qual flauta de Krishna. A assistência adormecida, sem atentar ao conteúdo, mas seguindo apenas - o som. De súbito, alguém deu pelo espírito santo da orelha e ouviu claramente:
- A linguagem poética vai acabar. Agora só podem utilizar-se metáforas eruditas, abstratas e suficientemente dissimuladoras de intenções!
De repente uma mulher que tinha espírito santo de orelha e língua de serpente soltou uma voz meio desconexa:
- Ora, isso não tem nada de inovador. Já se fazia no tempo da outra senhora, utilizarem-se metáforas eruditas, abstratas, e suficientemente dissimuladoras de intenções...
Os olhos da mulher que fazia o discurso pirâmide, faiscaram. As palavras caíram todas.
E toda a pirâmide se desmoronava, perante a assistência pesarosa. Afinal um edifício tão coerente e sólido…
No centro da pirâmide estava um homem. Enrolado sobre si mesmo na posição fetal os pés e as mãos juntos acorrentados por uma grilheta de palavras. Os olhos perdidos sem LUZ, refletiam o cérebro dissolvido pelos esforços exercidos a desmontar as palavras radioativas.
Em torno de si revolteavam borboletas de cores, azul metálico, verde alface, amarelo jasmim e rosa fúcsia.
Eram os sentimentos. Na ânsia de beber as enganosas palavras radioativas, o homem sacudira-os violentamente.
Na sua pequenez, o homem, tornava-se enorme pela força das palavras. Semicerrando os olhos ver-se-ia uma crista reptilária que lhe subia ao topo da cabeça, e ainda as palavras verdes radioativas lhe prendiam os pulsos e os tornozelos já as borboletas tinham descoberto um escorrega de LUZ e entravam pela boca, pelo esófago envoltas numa luz matutina ainda húmida. Dando volta em bailado sincronizado qual clave de sol iam a rodopiar à volta do coração preenchendo-se de uma luz branca e dourada que se distendia a todo o corpo.
Por fim todo o corpo do homem era luz. Passou de opaco a transparente, deixando ver todos os órgãos que pulsavam regulares, após o que se transformou numa massa incandescente.
As radioativas soltaram-se a guinchar e fugiram a sete pés (cem) parecendo centopeias.
Atarantada, a insignificante mulher com língua de serpente inclinava o pescoço para um só lado, incapaz de dizer sim ou não e balbuciava palavras incoerentes sem perceber todo o processo, nem qual era a sua missão ali…
Ansiosa por ler, Parabéns por mais esta conquista na tua vida! Beijinhos
ResponderEliminarMuito obrigada pelo teu comentário! A maior conquista foi vencer-me a mim mesma. Um abraço.
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