terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A Apologia da Desgraça

A Apologia da Desgraça

A Apologia da Desgraça

Não sei se acontece convosco, mas desde que este governo está em funções, sinto-me muito mais aliviada.

Continuo sem emprego, a oito anos e dois meses da reforma, doente oncológica, fazendo parte desta peste grisalha, sem subsídios, sem pensão, a contar todos os dias até ao fim do mês e a contar os anos até à reforma, esperando e desejando que não prolonguem a idade da reforma por mais tempo... esperando e desejando que o meu companheiro, com quem vivo há sete anos em união de facto, continue a ter trabalho, a recibos verdes, esperando e desejando que este ano as formações que facilita não parem este verão para podermos continuar a honrar os nossos compromissos, a pagar a prestação da casa, que já paguei umas três vezes ao Banco, a eletricidade, que nunca baixou e antes pelo contrário, apesar de ter substituído todas as lâmpadas por outras mais económicas, a água cujo valor também não baixa, apesar de os banhos serem cada vez mais curtos e a torneira aberta cada vez com menos caudal, o gás que cada vez utilizo menos, com refeições mais rápidas e poupando nos banhos, a ‘internet’ que me obrigam a utilizar para ter acesso ao portal das finanças, da saúde, do Banco e do raio que parta, mas que tendo mesmo assim a mais barata, também pesa no orçamento, a prestação do condomínio que continua em atraso, pois ainda não consegui obter o milagre da multiplicação, o IMI cujas grandes reduções ainda não verifiquei e que me obrigam a pagar, apesar de segundo o Banco a casa ainda não ser minha, mau-grado já a ter pago três vezes ao mesmo, a TSU que o meu companheiro tem que pagar todos os meses que nos meses de verão, para poder continuar a trabalhar, leva-lhe metade do que recebe, etc.

Neste contar dos dias até ao fim do mês e neste contar dos anos até à reforma, vejo passar os meus dias e os meus anos, vejo passar os meus sonhos, vejo passar a que um dia foi a menina do seu pai e torno-me cada vez mais antissocial, deixo de ter gosto em ir ao café, não só porque o dinheiro do café diário soma 18€ ao fim do mês, mas porque às vezes me sinto incomodada pelas senhoras bem vestidas que ficaram com as reformas antecipadas que fazem hoje falta a quem de facto delas necessita e ainda olham de cima para baixo para "a miserável" peste grisalha que não tem meios para frequentar o cabeleireiro todas as semanas e apresentar-se decentemente no café... Culpa minha, que escolhi Oeiras para viver. Devia ter escolhido um bairro pobre e escondido, mas nessa altura em que "vivia acima das minhas capacidades", embora sempre com o valor do meu trabalho, e sem nunca ter pedido nada a ninguém, julguei, na minha ignorância ingenuamente, que o valor que descontava para a Segurança Social ira valer-me um dia e que esse tal organismo faria jus ao nome que tem.

No entanto, há uma coisa que me conforta. Apesar de a minha vida não ter mudado em coisa nenhuma, sinto-me muito mais aliviada. Deixei de ouvir o Sr Passos Coelho e o outro Senhor, o dos submarinos, perdoem-me a falta de memória, mas neste momento não recordo o nome, talvez seja por ter feito quimioterapia durante três anos, ou porque não me apetece citar certas pessoas, mas como ía dizendo, deixei de ouvir o Sr. Passos Coelho, que em tempo também esteve desempregado, mas certamente não tão aflito como eu, e o tal Senhor dos submarinos, que falava em poupar e viver acima das capacidades, protagonizarem a desgraça dia a dia, hora a hora, minuto a minuto. De tão deprimida que estava, arrastando-me durante três anos, a fazer quimioterapia, por vezes esquecendo-me de que pouco ou nada havia no frigorífico, abria a porta do mesmo para cozinhar uma refeição e constatava atónita que estava vazio ou que faltavam ingredientes. Ia então sentar-me em frente ao televisor e dava invariavelmente de caras com os ditos Senhores a falarem em pessoas que viviam acima da média, de apertar o cinto, da União Europeia a quem eu devia não sei quantos milhões, e de austeridade, austeridade, austeridade. Pois meus senhores eu digo PORRA! JÁ BASTA! Espero que os senhores da austeridade nunca mais voltem a sentar-se nas cadeiras do poder, pois para desgraças já bastam as minhas. Haja pelo menos positivismo! Uma sociedade só se muda com atitudes positivas e esperança e a mim, por muito que me rodeiem os austeros, não hão de tirar-me o sorriso do rosto, nem que seja no Teatro!

1 comentário:

  1. A arte destes democratas de pacotilha é colocar-nos a aspirar ao menos mau, em lugar de nos ajudar a combater pelo bom!
    Temos que perceber que estes são farinha do mesmo saco da exploração, só que têm um mamar mais doce...!

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