terça-feira, 26 de janeiro de 2021

 



Agora que o Carlos do Carmo partiu, lembrei-me de um fado canção que me fez sentir aos vinte e poucos anos uma grande compaixão pelos idosos. Vinte e poucos anos e aquele fado fez correr lágrimas sentidas no meu rosto.

Lágrimas de compaixão pelos velhos, sempre mais esquecidos, mais vulneráveis, mais pobres, senão materialmente, ao menos de afetos, de carinhos, de uma festa ou de um sorriso.

No fado, “Balada para uma velhinha”, Carlos do Carmo cantava, com letra de Ary dos Santos, "no banco do jardim uma velhinha, está tão só com a sombrinha, que é o seu pano de fundo...Num banco de jardim uma velhinha está sozinha, não há coisa mais triste neste mundo … já coseu alpergatas e bandeiras, verdadeiras... amargou a tristeza até ao fundo".

Hoje também eu, "velhinha", sessenta e dois anos feitos, pergunto-me o que tinha aquele homem para me tocar tão profundamente aos vinte e tantos anos, que me fazia chorar por aqueles velhos tristes quando os via sentados num banco de jardim, à espera… de quê? E sim, às senhoras pode e deve-se perguntar a idade. Não há nada para esconder no facto inexorável de se ter envelhecido.

Felizes aqueles que chegam a envelhecer e ainda assim continuam a crescer e a fazer coisas. Carlos do Carmo partiu, mas sempre num crescendo, deixou-nos um legado inigualável daquilo que hoje nos ensinam a dissimular e esconder. Emoções. Mas nós não somos um país canalha. Não vamos em conversas daqueles que não conseguem ter um discurso coerente porque não falam a verdade, venderam a alma à fama e ao poder e já não conseguem sentir.

Hoje chorei porque morreu um HOMEM. Chorei e não tenho vergonha de o dizer e de sentir, já "velhinha" a perda da voz que soube cantar o que sentimos. Acolhemos com amor os nossos retornados das Colónias, os nativos das mesmas, os asilados e refugiados políticos e todos os que quiseram vir viver para o nosso país. A todos estes, Carlos do Carmo cantou a nossa terra, a nossa gente. Pintou Lisboa em canção como nenhum outro o fez, mas também apelou à nossa alma, à nossa solidariedade, à democracia. E nós não somos um país canalha.

Não vamos esquece-lo nem ao que ele representa. Liberdade e solidariedade, emoção e inteligência, sensibilidade e humildade, no fundo, um povo que é o nosso.

Não. Não somos um país canalha!

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