Do livro "História de Uma Viagem ou Duas, ou Talvez Não"
Capítulo XII
Linfoma
... Parecia que queriam trazer-me algum recado, mas o sonho era sempre interrompido antes de conseguir recebê-lo. Depois, numa outra noite, um sonho ainda mais estranho trouxe-me algo bem real.Encontrava-me numa piscina coberta, enorme, nadando de costas como é meu hábito fazer. Devia ser madrugada pela luz diáfana que entrava pela cobertura de vidro. Dei comigo à borda da piscina de cabeça baixa, andando à volta curvada a procurar na obscuridade os meus chinelos havaianos. Não os encontrei. No entanto, tinha a certeza de os ter deixado junto àquela escada... Junto ao chão o vapor formava uma cortina de nevoeiro baixo. Fui percorrendo o espaço devagar com cuidado para não escorregar, olhos no chão, mas onde estão o diabo dos chinelos? Não percebo como, mas devo ter dado toda uma volta à direita em redor até que embati num corpo vertical à minha frente, quase logo após a escada por onde havia saído antes de dar toda a volta à piscina.Levantei os olhos endireitando o corpo até perceber que tinha chocado com um índio norte-americano de uns setenta anos, com mais de 1,80 m de altura, de compleição forte e peito largo. Trazia na cabeça um adorno do lado direito com duas penas brancas.A primeira palavra que surgiu na minha mente foi. Pai? Uma alegria grande percorria os meus sentidos. Era como se reencontrasse o meu pai ou alguém muito querido. Mas não. Não era o meu pai. Era uma figura de índio enorme para o meu pouco mais de metro e meio, que se levantava imponente diante de mim. Olhei-o de frente com uma vontade imperiosa de o abraçar. Na posição em que me encontrava, dada a proximidade frontal, apenas lhe vislumbrava o tronco e a cabeça. Um tórax magnífico de um espécime masculino, um alto pescoço onde se apoiava uma cabeça orgulhosa com duas penas brancas entrançadas junto à têmpora direita. Quando fiz menção de o abraçar, tocou-me com um pequeno, mas firme empurrão no ombro esquerdo e pronunciou as seguintes palavras:– Perdeste um sapato, mas ainda te restam dois pés!...
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