POSTAL 1900 - Virgínia de Sá
Divagação sobre um postal de 1900
Ai que louca estou, junto ao meu vasinho. Leve, fresca e nua, como um passarinho.
Em penas deitada, como se repousando, empresto o meu corpo, aos que vão passando.
Banhos e lavagens e coisas que tais, sou asseadinha, que é que querem mais?
Ao domingo, vejo-as passar de chapéu, as saias tapando os tornozelos, de braço dado pela Avenida, e eles ao lado, na sua importância masculina, cabeça levantada, apenas tocando o chapéu ao de leve quando cumprimentam, olhos em alvo, e eu ali, a reconhecer alguns, os carrinhos dos bebés à frente, os petizes a empurrar o arco e as meninas de canudos e laços de cetim.
Bem tento fazer-lhes, por vezes, sinais com o olhar e trejeitos com a boquinha, por tantos beijada e comentada, mas nenhum me vê. Hoje é o dia da família e da missa. Sagrado dia em que se vai à igreja e nunca olhando para a mulher do próximo. Muito menos para a mulher de tantos.
Não me importo. Serão elas mais felizes com os sorrisos trancados nas suas casinhas burguesas com a criadita enfezada, ou serei eu que ouço as confidências dos seus maridos, e me rio e divirto com eles na minha mansarda?
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